24.7.13

Melville

Um dos únicos parágrafos de Lévi-Strauss que já li dizia que a função da Antropologia era a de nos mostrar que há no mundo outras muitas formas possíveis de se viver além da nossa. E é nisso que reside, penso, o maior valor de Taipi, romance de estreia de Herman Melville e livro responsável pelo reconhecimento que teve ainda em vida. Enquanto Moby Dick — que de início passou despercebido da crítica e do público — se concentra na caça à baleia e, por conseguinte, na vida ao mar, Taipi se passa numa das ilhas do Pacífico, na qual o autor tem sua estadia entre os nativos, depois de fugir das más condições de serviço do navio americano em que havia embarcado. E o que prometia ser, pelos primeiros capítulos, um simples e previsível livro de aventura entre canibais (de como o herói escapa às vésperas de ser cozinhado), acaba se revelando uma valiosa etnografia. É verdade que há ficcionalização — lembremos que nosso narrador não é Melville, mas Tomo —, além de elementos romanescos — conseguirá a dupla escapar à tripulação do navio que abandona? sobreviverão ao tempo na floresta, sem muitas provisões? por quem o vale no qual descem é habitado, pelos temíveis taipis ou pelos benignos hapars? o que terá acontecido a Toby? qual o interesse dos nativos por trás da recusa em liberá-lo? afinal, como Tomo escapará? —, elementos que, se nos faltassem, não diminuiriam em nada o interesse pela obra, dada a satisfação que se encontra na mera descrição dos hábitos, do temperamento, do caráter, das festas, das relações sociais etc. dessa tribo polinésia entre a qual Melville teria permanecido cerca de dois meses. Todo um novo universo, sob muitos aspectos admirável, por meio do qual o narrador questiona o dos civilizados, sobretudo em seus esforços missionários: “Se fôssemos julgar a civilização por alguns de seus resultados, talvez conviesse mais, ao que chamamos de parte bárbara do mundo, que continuasse mergulhada em sua condição.” E se no Melville de Moby Dick encontramos um equivalente do nosso Euclides — pela valorização dos párias —, pode-se ver no Melville de Taipi — com sua solidariedade para com os selvagens — uma espécie de Darcy Ribeiro.