4.12.13

Elo desperdiçado

O romance realista do século XIX não apenas não é o romance, como talvez nem tenha sido tudo quanto este pôde e pode ser. Quem o alega é Milan Kundera. Paralelamente a Dickens, Balzac, Flaubert, Tolstoi e Dostoiévski, figuraria em segundo plano outra linhagem encabeçada por Rabelais, Cervantes, Fielding, Sterne e Diderot. Linhagem esta à qual pertenceria — fico pensando — Machado de Assis, que, se sai perdendo quando comparado aos primeiros (de onde a lenda do Machado de Assis que não sabia escrever romances, o Machado de Assis melhor contista do que romancista), nada fica devendo em liberdade aos segundos. Dessa outra perspectiva, o autor de Memórias Póstumas passa não só de “romancista defeituoso” a nobre continuador da vertente mais original do romance, como chega mesmo a ser, pela oposição ostensiva à quase obrigatória “ilusão de realidade” oitocentista, um antecipador do modernismo: Machado de Assis, por esse ângulo, teve ainda no século XIX e neste fim de mundo nosso uma concepção de literatura que os próprios europeus só vão retomar a sério, e recorrendo às mesmas fontes, nas décadas iniciais do século XX. Um verdadeiro elo desperdiçado.