9.12.13

“Vil e calamitoso mundo nosso”

CAPÍTULO CINCO

A cinco de novembro de 1718, que, para a época fixada, estava tão perto dos nove meses do calendário quanto qualquer marido teria podido razoavelmente esperar, -- eu, Tristram Shandy, Cavalheiro, fui trazido a este vil e calamitoso mundo nosso. ---- Gostaria antes de ter nascido na Lua, ou em qualquer dos planetas (exceto Júpiter ou Saturno, porque nunca pude suportar clima frio), pois não é de esperar fosse eu dar-me pior em qualquer um deles (embora não responda por Vênus) do que neste nosso vil e sujo planeta, -- o qual, em plena consciência e com a devida vênia se diga, julgo eu tenha sido feito dos frangalhos e aparas dos demais; ---- não que o planeta não sirva bem a quem nele possa ter nascido para herdar um grande título ou grandes propriedades; ou possa, de algum modo, dar um jeito de ser chamado a exercer cargos públicos e empregos aureolados de dignidade ou poder; -- este porém não é o meu caso; ---- e por isso cada um falará da feira de acordo com o que nela tiver vendido; ---- pelo que de novo afirmo ser este um dos mundos mais vis jamais feitos; -- pois posso verdadeiramente dizer que desde a primeira hora em que nele respirei até agora, em que mal posso respirá-lo por causa de uma asma apanhada por ter patinado contra o vento de Flandres; -- tenho sido contínuo joguete daquilo a que o mundo chama Fortuna; e conquanto não a difame dizendo que me tivesse feito algum dia sentir o peso de qualquer grande ou assinalado mal; ---- mesmo assim, com a melhor disposição do mundo, digo, dela, que em todos os estágios de minha existência, e a cada volta e esquina em que me podia favoravelmente tratar, essa descortês Duquesa castigou-me com uma série de lamentáveis infortúnios e acidentes adversos quais nenhum pequeno HERÓI jamais enfrentou.

STERNE, Laurence. A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy. Tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 52.