Dizer que Cadernos de Serafino Gubbio operador foi um romance escrito contra o cinema é dizer pouco. E continuaria insuficiente acrescentar que, além do cinema, também foi escrito contra o automóvel, contra a fotografia e contra vários outros mecanismos que começavam a se colocar entre as pessoas. Pirandello foi um romancista muito especial para escrever um panfleto disfarçado de romance, e um romance oferece sempre mais do que favor ou oposição ao que quer que seja. Como toda a rejeição de Pirandello às inovações tecnológicas do período partiam não do hábito ou da preguiça ou da teimosia conservadora, mas de um olhar muito atento à influência dessas coisas na vida interior das pessoas, poucas vezes se encontrarão personagens descritos com tanta sutileza e compreensão psicológica. Muito mais do que suas teses, o operador Gubbio nos oferece o emaranhado das coisas humanas. E a verdade é que, se levamos em conta o ano em que o livro foi escrito (1915), encontramos em Pirandello uma visão que, de tão aguda, resvalou na profecia. Já então, vemos Gubbio atestar a impassibilidade e a indiferença de que é tomado todo aquele que se põe atrás das lentes de uma câmera, o que de imediato nos obriga a lembrar da nossa tendência a filmar (agora que todos nos tornamos operadores de câmeras portáteis) situações em que mais valeria a nossa interferência; além de que, no desfecho do romance, Pirandello aponta a grande vocação do audiovisual para o grotesco, o escabroso, o violento, como que predizendo a nossa TV. Além de todas essas coisas, não deixa de ser interessante observar um ataque ilustre (embora malogrado e esquecido) a algo tão vitorioso e estabelecido como o cinema, cujo status artístico nem sempre foi admitido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário