17.6.22

Malaparte, uma Sherazade dos crimes de guerra


Kaputt
é, a rigor, não um testemunho, tampouco uma denúncia, mas antes a recordação minuciosa das cores, dos sons e dos odores da guerra alemã (céus verdes, sons doces, cheiros gordos). É também uma dolorosa elegia para o velho mundo da guerra de proporções humanas, feita a cavalo, com espada e tiro de espingarda, mundo morto pelos tanques e bombardeios aéreos da guerra mecanizada, tão destruidora. Como um dândi da catástrofe, como um flâneur de campos arrasados de batalha, o interesse de Malaparte num massacre estava sempre menos no sofrimento das vítimas do que no requinte inesperado de um carrasco. Era nessa contraposição muito sutil, sempre irônica, quase ambígua, da hiper-educação com a crueldade mais atroz que residia aquilo que se poderia chamar de crítica: filho de um protestante alemão com uma católica italiana, Kurt Suckert parece ter nascido para a ambiguidade, a ponto de eventualmente trair certa satisfação com aquilo que com sinceridade repudia. Em termos literários, Malaparte é como um Proust (a comparação é ele mesmo quem sugere) que, em vez de reuniões com madames, descreve jantares com criminosos de guerra e que, em lugar de vestidos, relembra com pormenor a destruição. 

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