25.4.20

Joseph Roth e a tragédia

Enquanto lia de Joseph Roth fui procurando o que há nele dos mecanismos da tragédia. Se começamos pelos homens e pelos atos que a tragédia deve imitar (homens elevados e mais ou menos virtuosos), em contraposição aos homens baixos e viciosos da comédia, Joseph Roth de certa forma burla a exigência clássica por meio da inversão judaico-cristã, aquela tão combatida por Nietzsche: Mendel Singer é um pobre coitado, sim, mas cuja dignidade repousa na obediência a Deus; desse outro ponto de vista, o critério já não é mais humano, e sim espiritual. Nisso, Joseph Roth segue os autores hebreus da Bíblia, os quais, segundo Auerbach no famoso ensaio de abertura de Mimese, eram capazes de conferir caráter elevado e trágico a pessoas comuns em circunstâncias nada especiais, algo impossível aos gregos. Partindo-se daí, a hybris que leva ao infortúnio do herói, no caso de Mendel Singer (que de certo modo vivia conformado com suas agruras), é a mudança ambiciosa para a América, na qual este deixa para trás o filho mais novo e mais necessitado, grave pecado contra o dever paternal, ainda mais pela desconsideração à profecia rabínica. Então a narração prossegue de catástrofe em catástrofe até que, por fim, conforme a prescrição aristotélica — embora não totalmente, uma vez que o grego preferisse as reviravoltas que iam da dita para a desdita, enquanto o Jó de Roth, como o Jó bíblico, passa da infelicidade para a felicidade —, opera-se a uma só vez o reconhecimento e a peripécia, a mudança da sorte do herói mediante uma revelação, para piedade dos leitores.