10.2.12

Pio

Nosso problema fundamental com a música erudita é que já não suportamos apresentações das quais não podemos participar. De onde as palmas ante qualquer pausa mais prolongada, não necessariamente o fim do movimento. Outras formas não tão elevadas de música demandam algum tipo de ascese, é verdade, mas nada que se compare ao rigorismo daquela. A um João Gilberto também se deve acompanhar em silêncio religioso, mas sempre haverá um Pixinguinha a ser cantado em coro sussurrante para a plenificação do espetáculo. Depois, há também o bloqueio causado pelo fato de que a música erudita talvez seja, em nosso tempo, de par com o vinho, um dos últimos refúgios dos connoisseurs. Assim como já não se consegue tirar toda a satisfação de uma golada sem se saber o ano da safra, o tipo de uva, o local de plantio, etc., também à música tratam-na como se só pudesse tirar proveito dela quem, após a audição no Youtube, fosse capaz de comentá-la, decompondo-a. E nós, pobres que só ouvimos música para nos emocionar, como só bebemos para nos embriagar, acabamos recolhidos a coisas mais próprias, as quais podemos apreciar à nossa moda, sem risco de olhares reprobatórios e, mais importante, sem um mísero pio a respeito, além dos suspiros e exclamações.