9.5.20

Lutero

O Lutero antissemita (o melhor jeito de batizar um judeu é amarrar-lhe uma pedra ao pescoço e lançá-lo de sobre uma ponte); anticapitalista (o agricultor que torna sua produção inacessível aos pobres por causa do preço é um assassino); filovegetariano (os animais foram criados para a glória de Deus; para nossa alimentação existem as plantas, razão por que Adão e Eva jamais comeram carne no Paraíso); o Lutero frugal, meio primitivista (o Paraíso não foi um jardim das delícias, mas um lugar pobre, precário, singelo; Adão e Eva quase como dois bons selvagens de tanga no meio do mato); o primeiro fundamentalista (uma mentira contada pela Bíblia não pode não ser verdade); o Lutero que troca o monge pelo burguês como ideal ascético (neste mundo, o maior desafio para o cristão é ser um bom profissional, um bom vizinho, bom pai de família); o Lutero obcecado pelo Diabo e por sua encarnação terrena, o Anticristo; o Lutero terapeuta, consolador das almas atormentadas, reconhecedor do abismo entre o que se acredita ser e o que se é de fato; o Lutero anti-humanista (quanto melhor uma pessoa, pior ela é, por causa da ilusão de mérito); do indivíduo fatalizado perante o insondável tribunal divino, totalmente à mercê do divino juiz (aos homens, é suficiente que se arrependam do pecado, com o pequeno complicador de que ninguém é capaz de se arrepender por conta própria, uma vez que o arrependimento é um efeito da salvação divina, não o contrário, de modo que só é absolvido por Deus quem Deus quer), o que faz de Kafka uma espécie de luterano sem esperança, crente perplexo predestinado à perdição; o Lutero teórico da tradução, também o das metáforas estapafúrdias (Cristo é a minhoca que Deus pôs no anzol pra pescar o Diabo, a Bíblia é a placenta dentro da qual a Igreja tem tudo que necessita pra viver, interpretar a Bíblia é coar o leite através do saco de carvão), etc.